Diálogos da Marina e do Fábio, n° 248
Pé-de-vento: Subindo a montanha Huayna Pichu, em Machu Pichu, Peru. Parte I.
O texto a seguir é um excerto da série Pé-de-Vento, que relata nossas aventuras em viagens. Ele faz parte do A-Diversa-Vez, nosso jornalzinho familiar.
uFábio – Certo, vamos para o Peru, mas eu não vou subir em montanha alta.
Marina – Combinado.
Fábio – Eu não vou subir em montanha alta, mesmo, entendeste?
Marina (escolada) – Entendi. Só vamos subir na Huayana Pichu, mas é tranquilo.
Fábio (mais que escolado) – Como assim, tranquilo? O que significa “tranquilo”, exatamente, para ti, em que sentido tu estás usando a palavra “tranquilo” no contexto deste diálogo?
Marina – É que essa montanha é só uma extensão de Machu Pichu. Vamos até lá de trem e depois de ônibus e só aí é que subimos a extensão, é só um trecho, um complemento.
Fábio – Certo, mas como se percorre esse “trecho”, exatamente? Tem um bondinho, um teleférico, um riquixá?
Marina – Não, é a pé mesmo, mas vais gostar, vais poder olhar o vale e a cordilheira lá de cima. Vais poder fotografar e até ter ideias para o teu próximo romance. Parece que a visão é linda, é espiritual. Vais gostar. Dizem que podemos até sentir uma comunhão com a natureza. Além do mais, a gente pode subir bem devagarinho, só um metro de cada vez.
SUSPIRO PROFUNDO.
Fábio tenta argumentar, diz que não tem condições físicas de subir mais do que uns 10 metros quando já se está a mais de 5 mil metros de altura. Lembra que a experiência de subir a Isla del Sol, na Bolívia, dois anos antes, foi traumática. Lembra de como, nessa ocasião, passou mal e vomitou na Fuente Del Grande Inca, que abastecia de água cinco comunidades. Lembra de como todos os passageiros do ônibus ficaram alarmados com seu estado de saúde no retorno a La Paz e de como se uniram para fazer uma prece para que ele se recuperasse.
MARINA, no entanto, reposiciona seus argumentos:
Marina – Certo, mas ir a Machu Pichu e não subir Huayana Pichu não faz sentido.
Fábio – Faz sim. Todo mundo fala de Machu Pichu e nunca ouvi falar dessa outra Pichu aí.
Marina – Não faz, não. Wayana Pichu é um complemento, faz parte, histórica e antropologicamente, de Machu Pichu. Se não fores lá vai te dar sensação de que te faltou alguma coisa na vida.
Fábio – O que? Oxigênio?
SUSPIROS PROFUNDOS.
Marina –Não podemos perder a oportunidade; não sabemos se e quando vamos lá novamente! Além do mais, para certos lugares tem a questão da idade, do preparo físico... Pensa como se fosse um sonho nosso...
Fábio – Um sonho que ainda não sonhei.
Marina – Mas eu sim. Se faltar eu realizar um sonho meu vai também faltar, consequentemente, um sonho na nossa vida.
Fábio – Como assim?
Marina – É que quando eu sonho em ir para um lugar eu sonho em ir contigo, então se tu não queres ir estraga o meu sonho.
Fábio – Bom, se é um sonho teu eu entendo, mas eu troco por um sonho meu.
Marina – De acordo, está trocado. Posso marcar a viagem?
Fábio – Sim.
Um mês depois já percorremos Machu Pichu e nos preparamos para iniciar a subida de Wayana Pichu. Na entrada, há um controle de ingressos e de passaportes e temos que assinar no “libro de los turistas”, indicando precisamente nossa idade, nacionalidade, número do passaporte, telefone de emergência, nome do contato de emergência e a hora em que iniciamos a subida.
Fábio – Mas para que serve esse controle?
Fiscal de Huayana Pichu – Para saber quién vuelve y quién no vuelve.
Fábio fica pensativo, ainda processando o espanhol.
E dez minutos depois, começando a subir a montanha:
Fábio – Como assim, quem volta e quem não volta?
Marina – Eles são dramáticos, esses peruanos! Esquece, já viste a cidadezinha, lá em baixo?
DUAS HORAS DEPOIS, num esforço descomunal para subir menos da metade do trajeto.
DIÁLOGO IMAGINÁRIO elaborado pelo Fábio para irritar a Marina:
Marina – Ai, acho que já podemos voltar. Acho que já vimos o que tínhamos para ver.
Fábio – Já realizaste teu sonho?
Marina – Acho que não aguento mais!
Fábio – Ah não, um sonho é um sonho. Se não formos até o final vai faltar algo na tua vida e, consequentemente, na nossa vida.
Marina – Já realizei metade desse sonho, já vi até o meio dessa montanha, me dou por satisfeita. Acho que realizei meu sonho há uns quinze metros atrás.
Fábio – De jeito nenhum, agora eu quero ir até o fim. Agora eu quero ver como isso acaba. (FRASE REAL).
Marina – Mas dou o sonho por realizado aqui mesmo. Ponto, sonho realizado, tchau sonho, podemos voltar. Meia montanha percorrida e não se fala mais nisso.
Fábio – Ah não, vamos continuar, é só um metro de cada vez.
NO MEIO DA SUBIDA, Marina e Fábio, exaustos, sentam numa pedra. Passa um grupo de turistas falando espanhol. Todos se cumprimentam.
Turista – ¿Están subiendo o bajando?
Fábio – Subiendo, subiendo siempre, pero muy, muy lentamente.
Turista – Muy bien, buen ascenso a ustedes. Nos vemos arriba.
Fábio – O, talvez, de nuevo en el medio del camino... pero gracias
AINDA no meio do caminho um turista, muito alegre e, estranhamente, cheio de energia, se oferece para fazer uma foto do casal. Estamos cansados, esgotados com o esforço físico e não precisamos de fotos, mas aceitamos, para não sermos descorteses.
Turista – Do you want me to take a picture of you?
Aceitamos – inclusive porque não tínhamos forças físicas para recusar – e damos a ele o celular da Marina. Ele faz umas dez fotos. Dá dicas de pose, insiste para sorrirmos mais. Sua alegria é contagiante – mas não para nós. Aliás, achamos estranho tanta empolgação em tirar foto dos outros, mas não queremos discutir e vamos fazendo o que ele manda. Por fim, ele se cansa e nos devolve o celular.
Turista – Your’re great! In your age, it’s beautiful!
Marina (sussurrando pro Fábio, indignada) – como assim na nossa idade? O que mais tem é gente como a gente!
Nós (falando ao mesmo tempo) – Thank you, you are so gentle!
Turista – You’re welcome! – diz ele, com um olhar cristão.
E, de repente, descendo a montanha, aparece uma moça, que olha para o gentil fotógrafo, aparentemente sendo sua namorada, ou esposa. Troca com ele um olhar de cumplicidade perversa e, depois, olha para nós e diz, em espanhol:
Turista – ¿Quiéren que les saque otra foto? Sí, porque ello las pierde a todas. Es muy malo como fotógrafo, seguramente ha perdido todas las fotos hechas de ustedes, no sabe como sacar fotos sesgadas.
Agradecemos, dizemos que está bem.
(Na verdade, nem tínhamos intenção de tirar fotos).
Turista – ¿Seguro que no quieren otra foto?
Fábio – Seguro
Marina – Seguro, seguro.
Turista – Muy bien, buena subida.
Marina – Gracias.
Fábio – Gracias, gracias.
Marina (sussurrando) – Cada gente estranha que desce dessa montanha!
Fábio (sussurrando) – Acho que alguma coisa acontece com eles lá em cima
(Continua em la próxima edición)